sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sobre o amor e o poeta

Sofrer é tudo o que um poeta pode esperar do amor.

Os tempos de calmaria amorosa e existencial são absolutamente improdutivos para a maioria dos artistas... fazem bem para a alma, sossegam a vida, deixam os dias mais longos e as noites mais curtas. Mas a felicidade tranquila e constante aposenta a caneta e o papel do poeta. Vai ver é por isso que sofremos tanto, nos apaixonamos com tanta intensidade, nos entregamos com tanta fé para o outro e, quando as coisas dão errado, os relacionamentos terminam, as pessoas que acreditamos amar vão embora, nos ferem, pensamos logo em suicídio, perdemos o sono e os sonhos, os dias ficam cinzas e as noites parecem eternas...

E as palavras brotam da nossa alma como flores coloridas nascendo do chão duro, seco, cimentado pelas dores que acumulamos no peito. É nessa hora que abraçamos nossas angústias, as lágrimas que já não podemos negar, nossos amores vãos... Porque só então entendemos que a felicidade do poeta está, e só pode estar, naquela flor que faz nascer, limpa e pura, de sua dor mais profunda.

Caio Fernando Abreu...





"Ah, no fim destes dias crispados de início de primavera, entre os engarrafamentos de trânsito, as pessoas enlouquecidas e a paranóia à solta pela cidade, no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelos na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva para Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem."

Pensando em M. Quintana, "Canção de Primavera"

E me pego aqui, neste quarto estranho,
a luz do dia despontando pelas frestas da janela,
enquanto me pergunto se este corpo ao meu lado,
tão meu,
aqui estará quando despontar em minha alma
a inevitável luz desta louca,
e já exausta criatura,
tão cansada de sempre despontar em vão...
Venho emagrecendo.
Tenho visto o sol nascer dia após dia.
Ando por aí me perdendo,
e me encontrando em esquinas cada vez mais vazias.

Tenho gastado noites e noites
em farras e devaneios doentios.
Acabo escrevendo muito
e dormindo quase nada.

Ando perdendo minha luz
procurando paz na escuridão.
E abraço a loucura numa ânsia
de apenas não viver em vão.

Do outro lado da rua,
as pessoas andam comentando
que eu venho desperdiçando a vida.